Idosa confunde curvex com tesoura

Ontem eu comprei um curvex novo. Fui na loja pra pesquisar uns preços e porque precisava de um blush. Sai de lá com um baton, um blush, um frasco de perfume, e o curvex, que estava na promoção. E o quê que você tem com isso? Pra falar a verdade, nada. Mas é que o curvex novo me trouxe uma memória velha, que de tão doce colocou um sorriso no meu rosto e mudou meu dia. Essa é uma história sobre como objetos banais podem ter conexões divinas. A gente só precisa olhar direito.

Bilete nasceu em 1914, ela é minha avó paterna. Por volta dos anos 2000, já com a saúde um pouco debilitada, ela foi morar na casa dos meus pais, muito a contra-gosto (só pra registrar). Na época, eu estava voltando pra casa, depois de quatro anos na faculdade e 8 meses trabalhando em Campinas. Eu e Bilete já tinhamos uma relação muito próxima, que se estreitou ainda mais vivendo sob o mesmo teto.

A gente dividia o mesmo banheiro, e eu costumava deixar meus aparatos de beleza numa prateleirazinha em marmore que ficava no canto esquerdo do espelho sob a pia. As coisas da Bilete ficavam num necessaire rosa bebe no lado direito. No meu canto, entre loção hidratante, batom, pinça, e escova de cabelo, ficava meu curvex.

Veja você: a Bilete nunca coloriu o cabelo. Ela tinha aquele cabelinho branco de vó de desenho sabe. Ela usava óculos, fazia trico, crochê, frivolitê, doce de banana em forma de diamante, bolo Brasil, café doce, e, eu acho, que cozinhava com gordura de bacon e manteiga. Durante os 33 anos que tive o privilégio de conviver com ela, a minha avó nunca mudou o corte de cabelo, e seu regime de beleza consistia em usar “carmim” (blush) e batom, sempre das mesma cor. 

Então num dia qualquer, depois daquela soneca básica pós almoço, que só dá pra ter quando a gente mora no interior e trabalha a um quarteirão de casa, estava eu me dirigindo ao banheiro quando cruzo com ela saindo do mesmo. Bilete, com cara de criança que fez arte, se vira, coloca a mão no meu ombro, dá uma risada, e fala: “Maria Gabriela”….

Minha sonelência passou: “Maria Gabriela?”, pensei; “me chamando pelo nome composto. Ou ela está brava ou fez alguma arte mesmo?”

Bilete caiu na risada e me guiou pra dentro do banheiro. Uma mão no meu ombro, a outra na sua barriga. – “Você pode me explicar uma coisa, que eu estou morrendo de curiosidade faz dias?”, ela perguntou, com a risada aumentando.

Como eu já disse, eu não lembro exatamente quando isso tudo aconteceu. Mas eu lembro ter visto no olhar da minha Avó, que estava na casa de seus 80, uma adolescente curiosa, xereta, e cheia de vida. Ela pegou o curvex, olhou bem pra mim, e perguntou:

  • “Pra que serve essa tesourinha?”

Ahhh.. Bilete. Obrigada!

Pacientemente, eu pequei a “tesourinha”, contei pra ela que aquele objeto tinha o nome de curvex e expliquei que servia para dar forma aos nossos cílios, antes da gente passar rímel. Eu até fiz uma demonstração ao vivo de como usar, para a qual sua reação não poderia ser nada de diferente daquela que você, leitor, provavelmente está imaginando.

  • “… que Esperança!!!!”, exclamou bem alto e  deixou a risada rolar.  -… “eu que não uso isso!”, finalizou irônica. 

Feliz e contente com a solução do mistério, ela se virou e dirigiu-se devolta pra sua cadeira na sala, pro seu frivolitê, e para um cd do Roberto Carlos.

Ontem, quando eu trouxe pra casa um curvex com design diferente, sem tanta tanta semelhança com instrumentos de tortura, não tive coragem de tirar o antigo da maleta. Eu fiquei olhando para os dois, imaginando como seria mostrar o novo pra ela, e o que será que ela exclamaria. Será que desta vez ela teria coragem de usar?

Sabe, eu não abraço essa minha Avó há 7 anos, mas vivo com sua presença. As vezes, só preciso pegar o curvex, ou colocar bastante açucar no café pra gente bater um papinho.

Tem um vídeo lá no YouTube (link abaixo) – Gabi eSTRANGERa sobre curvex.

Agora é sua vez. Você tem algum objeto que te traz uma memória doce?

 

 

Um comentário em “Idosa confunde curvex com tesoura

  1. Oi gente, gostaria de compartilhar aqui um e-mail que recebi da professora Marly Camargo, que conheceu minha avó. Obrigada Marly.

    Comment: Bilete… ahhh Vovó Bilete, que saudade!!!
    Diria, uma vovó que agreguei em minha vida por motivos simples, mas verdadeiros, dentre eles, a doçura do olhar de Bilete, de suas palavras certas nas visitas incertas, sem hora marcada, de sua candura quando relembrava de meus pais, contando algumas peculiaridades dos mesmos…Agreguei, principalmente, pelo amor que possuía à sua familia, dedicando a maior parte de seu tempo aos netos e aos bordados e crochês … Agradeço a Deus pela oportunidade que tive em conviver poucos momentos ,mas intensos, com essa pessoa fantástica, que ora trocava memórias, ora doces cafés, regados pela experiência de sua vida!
    Bilete….ainda guardo sua toalhinha de crochê, feita especialmente para mim, imaginando :”o que pensavas no momento em que
    davas uma laçada e o pontinho surgia? ” Ahhh ….um amor que carregarei para sempre…..Bilete!!!

    Horário: fevereiro 25, 2018 às 7:27 pm

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