Motos, Motores, e Mulheres: uma história

Naquele momento:

“Seis motocicletas (Harleys, Hondas, e uma Triumph) e um Volksvagen Jetta preto entram no pequeno Posto e tomam conta das duas bombas de gasolina. Aceleradores na mesma sintônia, em seus diferentes “trademarks” roncos. Céu azul. Kickstands down! Capacetes, luvas… e, de repente, um pequeno tumulto. Uma moto está no chão. Quatro mulheres estão ao redor dela, já seguram guidão, bagageiro, e … 1, 2, 3… A moto está em pé. Elas se viram e voltam para suas motocicletas, os capecetes no chão, e as bombas de gasolina. Over. Voltam como se nada tivesse acontecido”.

Eu vi tudo. Testemunhei com olhos marejados de orgulho e compaixão. Naquele breve instante, quando (literalmente) o tempo parou, entendi o significado da palavra “camaradagem”. Sem questionamentos, sem risadas ou piadinhas. A moto caiu. A moto é pesada. Todas já passamos por isso. Sabemos o quanto é bom uma (ou mais) mão extendida.

Terminamos de encher os tanques e seguimos para um pequeno Dinner (restaurante de beira de estrada) para celebrar o passeio pelo “Hawks Nest”[1], nos Catskills, NY, e planejar a parada da tarde, em Bethel Woods, NY, onde iríamos visitar a fazenda que recebeu o festival Woodstock, 69.

 

Naquele dia, o mesmo em que nos conhecemos, tivemos a oportunidade de compartilhar a Estrada, nossos mapas e planos. Dividimos um momento de realização ao rolar na grama de um local histórico. Admiramos a natureza. Conversamos sobre nossas preferência culinárias, nossos filhos, e, principalmente, sobre nosso amor por duas rodas.

 

 

Breve histórico

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No final de semana de 2 a 4 de Junho, 2017, a Costa Leste dos EUA recebeu a segunda edição do Babes Ride Out ™ – BRO2. O evento, que é dedicado e aberto apenas para o sexo feminino, reúne motociclistas de “quase todo” o país. Isto porque a edição da Costa Oeste, que vai para o quinto ano no próximo Agosto, sediada em Joshua Tree, na California, quebra recordes de participação e acumula um maior número de Iron Butts (ou seja, aquelas que rodaram o mais longe para chegar ao evento).

A versão Costa Leste, é sediada na pequena Narrowsburg, NY na região montanhosa de Catskills, na divisa entre os Estados da Pensylvania e Nova Yorque. O camping e muitas das rotas de passeio sugeridas para o final de semana margeam o rio Dellaware.

Durante o final de semana de camping, a mulherada tem a chance de se conectar com outras motociclistas, participar de passeios pela região (que é cheia de lugares interessantes e paisagens maravilhosas), converser sobre motos, trocar experiências, e, ainda, curtir algumas baladinhas noturnas, realizadas no local. Food trucks, barraquinhas, tatuagem, jogos, etc são outras opções de entretenimento. E é bom lembrar: nada de homens[2].

 

 

Este ano, a organização divulgou que foram vendidos 550 tickets para o final de semana. O camping oferece a infra-estrutura: chuveiros, banheiros, um galpão que abriga as atividades, energia elétrica, etc. Ainda assim, o evento parece ter espaço para crescer. Das reclamações: falta de vendedores e expositores, e mais opções para alimentação.

Lembre-se: Coffee is Life

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The super cool/life safer/ cup of deliciousness “coffee truck” from Foster Built Coffeehttp://www.fosterbuilt.com

 

Viagem com Propósito

 

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Mas __ “eis que a palavra / cantoflorvivência / re-nascendo perpétua / obriga o fluxo / cavalga o fluxo num milagre / de vida” (FONTELA Orides, 1969-1996, p.13).

 

 

Participar de um BRO foi uma das primeiras metas desde que abracei meu lado Babe (ou motociclista, motoqueira, etc). Comecei pilotar minha própria moto em 2012, uma Honda Dream, 300cc, original de 1964. Com apenas uma permissão do DMV[3], a meta parecia longe de ser alcançada. Minha moto não era forte o suficiente para aguentar uma viagem de cerca de mil quilômetros, e eu insegura demais.

O tempo passou.

Eu amadureci. Então graduei de vintage Honda 300cc para uma Harley Iron883 (chamada Lola). Passei a conhecer melhor motores e mecânica, e me envolvi com a incrível cena de mulheres nesse ambiente que, até então em meu imaginário, era habitado apenas por homens.

Sem qualquer outra desculpa, e inspirada pelas aventuras da Karina Barretto e a proposta do Encontro com Propósito™, me dei de presente de aniversário um ingresso para o Babes Ride Out East Coast 2. Dia 1 de Junho passado, lá fui eu.

Na estrada (800Km ida e volta), contei com a companhia do meu incentivador número 1 e amor da minha vida: Barret. O mesmo cara que restaurou a Honda, me sentou nela, e disse “ponto morto, a primeira fica pra baixo e as outras quatro pra cima. Agora vai”. Nos separamos no dia do evento. Ele ficou no hotel. Eu fui acampar[4].

 

 

Quase mil quilômetros depois no lombo da minha Lola, dos quais 400 foram percorridos em uma auto-estrada, debaixo de chuva, e sob temperatura média de 10 graus Celsius, cheguei em casa (e dei uma banana para minha zona de conforto).

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Detalhes: lindas luvas cirurgicas azuis, sobrepondo minhas luvas, Gorilla Tape por todo lado, e.. não se enganem, tem três camadas de calça, duas meias e um saco plástico dentro de cada bota, e mais quatro camadas de blusa.

Eu cheguei chorando (gente sou muito movida à emoção). Carreguei um sorriso gigante que não saiu do meu rosto mesmo debaixo das olheiras de cansaço. Na bagagem trouxe conhecimento e muita inspiração (alguma Babe aí no Brasil se anima planejar 2018?). Também risquei alguns items da “bucket list” que eu nem sabia que tinha. Mas, o mais legal de toda esta experiência, foram as conexões, as mulheres que conheci: jovens adultas, adultas jovens. Mães, Esposas, Bombeiras, Enfermeiras, Marceneiras, Empresárias, Escritoras, Soldadoras, Artesãs, Designers, Cabelereiras, Manicures, Médicas,  … BABES.

 

 

Notinhas:

[1] ou “Ninho das Águias” – Hawk’s Nest is a scenic location outside Port Jervis, New York. Its name is derived from the birds of prey that nest in the area. The location is also known for its winding roads and scenic overlooks in the Delaware River valley. Wikipedia – https://en.wikipedia.org/wiki/Hawk%27s_Nest,_New_York

[2] Observando que, mesmo sob insistência da organização do BRO sobre não haver espaço para homens no evento e no camping. A parte do camping não era verdade, uma vez que alguns happy campers possuidores de pênis estavam acampados e, embora tenham se comportado de forma exemplar (no meu ponto do vista), claro que tiveram que explodir alguns fogos de artificio.

[3] DMV – Department of Motor Vehicles – é a agência do governo americano que regula veículos, motoristas, e tudo que envolve o transito. Aqui antes de termos a carteira de motorista, precisamos dirigir um tempo com o que chamam de “permit” até termos experiência para o Road Test, que é a prova final antes da carteira de motorista oficial. No caso de moto, assim como no Brasil, só muda a classificação.

[4] Gente confesso que “roubei” na segunda noite e fui pro hotel depois da festa. Estava frio demais pra dormir na tenda e queríamos cair na estrada logo cedo pra evitar a chuva… o que não aconteceu.

 

 

 

Nunca gostei de garupa

Estar em uma moto é como tirar um tempo pra meditar. É você e a máquina, em sintonia, equilíbrio, atento às mínimas coisas, ao sopro do vento, à velocidade na curva, aos mosquitos na cara. O barulho do motor como mantra. É você e você. Por isso andar na garupa “sucks“.

Até pouco tempo atrás, não entendia essa relação de homens com esses veículos de duas rodas. A obsessão (quase religiosa) de alguns. Hoje, em meu quarto verão no comando de um acelerador, passo minhas horas vagas fuçando Instagram de motoqueiros e motoqueiras, pesquisando estradas, caminhos, eventos, capacete, customização… enfim… agora eu entendo. Agora eu me considero parte desse grupo. Eu faço sinal quando nos cruzamos na estrada.

Por que faz tanto tempo que não apareço aqui no eSTRANGERa? .. porque é verão, a estação de cair na estrada. E infelizmente, em Nárnia, o verão é curto.

Então.. como eu tenho escrito pouco, segue um registro fotográfico da viagem que eu e o Mister fizemos percorrendo todo o caminho chamado Great Lakes SeaWay Trail – trecho que vai das Thousand Islands até Niagara Falls, no Estado de NY. Esse caminho começa na ponte que liga EUA e Canadá, no rio St. Lawrence, encontra com o Lago Ontario, e segue margeando o lago, por estradas, até as cataratas, que marcam o encontro entre o Lago Erie e o Ontario. Não tem muita foto porque a gente não é “fancy” de camera no capacete (ainda). Mas dá pra ter uma idéia. Espero que vocês gostem.

Pra terminar quero mais uma vez dizer para todas as mulheres que desejam sair da garupa: VAI! TENTA! … vale a pena. Há quatro anos tenho acompanhado diversos grupos e eventos de mulheres e motos, e essa comunidade esta crescendo. Logo trago mais.

Por agora: esse bichinho me pegou ainda pequena, quando andei na Honda que meu pai tinha. Adolescente pilotei um “walk machine” (popularmente conhecido em São João da Boa Vista como “patinete motorizado”). Ainda adolescente saia de mobilete com minhas amigas Tha e Van, depois de NX (nós três numa moto só afff .. hoje em dia). Com meus primos Beto (Lobo), Emerson, e Marcela, sempre que dava tomava uma cerveja nas rodas motociclísticas de Campinas. E daí vem a vida.. um turbilhão de coisas acontecendo ao mesmo tempo e as paixões (mesmo aquelas que vc nem sabe que tem) ficam pra depois.

Não… eu nunca gostei de garupa. E agora menos ainda!!!!! #raisehellbabes

O dia que meu filho nasceu

Era uma quarta-feira de cinzas, há cinco anos. Já era noite quando fomos pro hospital, tinha acabado de sair do banho e senti que estava “vazando”. Era hora. Mais cedo, naquela mesma semana, passei uma noite no hospital por conta do “vazamento” de liquido amniótico. Parecia que estava chegando a hora e era só esperar pelas contrações que não vieram. O médico me mandou pra casa. “Em casa você vai andar e fazer atividades que estimularão o bebê”, ele disse.

Mas, naquela quarta-feira foi diferente. O dia tinha chegado. Demos entrada no hospital às 20h20. Nada de contração. Fomos para o quarto de parto (delivery room). Me vesti e fui aparamentada com os devidos monitores. Um pro coração do bebê, um pro meu. Meu marido e uma enfermeira estavam presentes. A família foi avisada. Então veio a primeira pontada. Aiiii… “ok, acho que estou tendo contrações”.

O Obstetra chegou. Checou os monitores, falou com a enfermeira, falou com meu marido. Ele tinha uma expressão preocupada. Saiu do quarto, porque ainda iria demorar. De repente, água, a bolsa estourou.  Minha pressão estava subindo descontroladamente. Algo chamado pré-eclampsia. Durante toda a gravidez tudo correu bem, pressão normal, peso normal, mas foi no dia do nascimento que algo fora do comum aconteceu.

O médico voltou. Me medicou. Confesso que eu não me lembro muito bem desses momentos. Estava numa nuvem de dor, misturada com calor e frio, medo, apreensão… tudo ao mesmo tempo. Queria meu marido perto. Dai queria ele longe. E as contrações vindo .. Aiii  … Então chegaram minha sogra e minha sobrinha, que vieram ficar conosco no quarto, e minha cunhada, que ficou do lado de fora porque o limite de gente pra assistir o parto era três pessoas. Todo mundo no quarto: eu, o pai, a enfermeira, a avó, e a prima. Uma festa…  enquanto o médico passeava pelos corredores.

Por conta da pressão alterada, já estavam cogitando minha transferência para o centro cirúrgico, mas a pressão foi controlada a tempo e a anestesista pode vir. Tomei uma anestesia Epidural, que bloqueia a dor das contrapões, mas deixa que a gente sinta o que esta acontecendo (em alguns casos pode acontecer um “espaço fantasma”, e claro eu tive um na virilha, então sabia exatamente quando as contrações estavam vindo).

Já estava com a dilatação correta para começar “fazer força”, mas nada do médico voltar pra sala. “Esse doutor costuma sumir sem avisar. As vezes, nós é que terminamos os partos”, disse a enfermeira… Oi? Felizmente, ele estava só checando outros quartos.

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um pouco depois de segurá-lo pela primeira vez.

Então, o médico se paramentou, se colocou a postos pra pegar o menininho que vinha. Minha sobrinha acariciando meu cabelo. Meu marido segurando uma perna, minha sogra a outra, o médico na posição de goleiro, e a enfermeira monitorando os aparelhos. Isso! Essas eram as pessoas no quarto, no parto. Essas foram as pessoas que testemunharam o dia que meu filho nasceu, 10 de março, 1h20 da manhã.

Ele saiu da barriga e foi colocado no meu peito, amassado e melecado. Meu marido estava anestesiado, não quis cortar o cordão. Então a vovô cortou. Choramos, rimos. Por um momento, esqueci meu inglês. Eu tinha que dar as boas vindas na minha lingua mãe. Depois de algum tempo ele foi levado pra ser limpo, pesado, medido, e todos os outros procedimentos para os recém-nascidos. E, enquanto o médico cuidava de consertar a porta de saída do bebe, eu estava no telefone, ligando em plena madrugada para meus irmãos e meus pais. Eu ainda comi uns nuggets do McDonalds logo depois, porque estava morrendo de fome e essa era a única opção de comida aberta naquela hora da noite (não.. não tinha comida do hospital).

O médico que estava lá não era o mesmo que acompanhou minha gestação, porque meu médico estava viajando de férias. Meu filho nasceu dezesseis dias antes do previsto, pesando 6.10 libras (equivalente a aproximadamente 2.8 quilos) e 21 inches (equivalente a  aproximadamente 53 cm). Para os americanos essas medidas são super pequenas. Não tinha pediatra na sala. Os testes foram realizados no berçário, pra onde ele foi levado por um tempo enquanto éramos transferidos da sala de parto para um quarto na maternidade. Depois disso, ele não saiu mais de perto da gente (bom, na verdade teve um tempinho que ele voltou pro berçário pra um procedimento, mas vou contar em outro post).

Eu planejei amamentar meu filho. Mas meu leite secou após um mês e meio do nascimento dele e, na época, eu não pensei em chamar uma consultora pra me dar uma ajuda. Nós planejamos não dar chupeta. Mas na quarta noite sem dormir resolvemos dar uma chance pra chupeta e adivinhem… dormimos melhor (porque dormir de verdade é algo que não existe na vida de pais de recém nascido)

No dia que meu filho nasceu aprendi não planejar muito o que não diz respeito apenas ao meu indivíduo. Eu entendi o quanto somos fortes e o quanto podemos tolerar a dor. No dia que meu filho nasceu eu nasci mãe.

Acho importante dizer aqui – pra quem se interessa pelo que penso – que em nenhum momento da minha gestação disse que preferia parto normal ou parto cesárea. Seria a preferência do meu bebê. O que fosse mais conveniente pra ele. 

Aqui nos EUA o padrão é parto normal – a mãe pode escolher se quer ou não anestesia (eu quis) – mas nada de ter cesárea marcada. Eu sabia que seria assim, a não ser que o meu filho estivesse fora da posição ou houvesse alguma complicação, só assim as gestantes são encaminhadas pra uma c-section

Pessoalmente, penso que  essa rincha entre parto normal vs. cesárea uma chatice. Não dou razão nem pra um nem pra outro. Não acho que os radicais pró parto natural estejam certos, e também não concordo com os médicos que forçam ou que tentam convencer a gestante sobre marcar uma cesárea. Também não sou expert nesse assunto, além do fato de ter gerado, gestado e parido uma criança. O fato é que quando chega a hora da criança nascer, ela vai nascer e pronto. De algum jeito ela precisa sair da barriga da mãe. Então que seja da melhor forma para o BEBE. 

E convenhamos né gente. Gerar uma criança não é como caminhar pela praia num dia fresco de verão. Muita coisa muda. Nossos hormônios ficam malucos. Isso e mais toda a expectativa, ansiedade, ajustes na vida, afff… é muita coisa envolvida pra ficarmos numa guerrinha estúpida sobre quem tem as melhores políticas maternais. E incluo ai a batalha amamentação vs. mamadeira, chupeta vs. não chupeta, fralda descartável vs. fralda de tecido, etcs.  

Só a título de curiosidade: recentemente uma amiga (logo contarei a história aqui no blog) deu a luz dentro do carro, a caminho do hospital. Seu filho não quis esperar. Outra quis muito um parto normal, mas não pode, seu filho estava atravessado. Outra passou 26 horas com dores e contrações esperando a dilatação suficiente e, no final, após ter dado a luz, teve de lidar com uma imensa perda de sangue e agora, duas filhas depois, sofre de anemia. Todas elas são excelentes mães, cuidam de seus filhos com amor e dedicação, da forma como melhor funciona em suas famílias. E isso é o que realmente importa! 

Pra me despedir desse post, que é muito especial pra mim por vários motivos (entre eles o fato de que me julgo muito quando começo falar sobre maternidade) vou deixar um vídeo lindo que encontrei no YouTube. É de uma campanha da #Similac, que é uma companhia de fórmula (leita em pó). Independente disso, o vídeo é honesto, legítimo, e toca o coração. #endmommywars

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Até 😉