Uma cerveja com o Sócrates
Semana passada descobri, meio que por acaso, que esse ano seria aniversário dos 40 anos de quando o Sócrates foi jogar no Corinthians. Daí, que como uma coisa puxa a outra, lembrei dessa passagem: o dia que tomei uma cerveja com o Sócrates, a.k.a o Magrão (do Timão).
Ribeirão Preto, 1996: Foi tudo por um acaso. Em uma dessas coincidências da vida que depois viram “causo” engraçado e gostoso de lembrar. Naquela época, caso você não saiba, a gente não tirava selfie e telefone celular ainda era considerado coisa de gente rica.
Para ser sincera, eu não ligo e nem nunca liguei muito para futebol. Mas sou Corinthiana, por parte de pai, nascida no mesmo ano em que Magrão foi parar no Corinthians. Como se isso não bastasse, fui criança no Brasil da década de 80, numa época em que o povo clamava por Diretas Já, Constituição, e quando um jogador de futebol era ídolo, era médico, e ainda erguia o punho por justiça social. O Sócrates foi tipo “o cara”.
Então imagine você, no auge do seu primeiro ano de faculdade, se ver em uma mesa de bar com o dito cujo logo depois do carro da sua amiga ser atingido por outro que não parou na intersecção da esquina. Pois é, foi assim …
Estávamos eu, Dani, e Hérica – com H., em um Fiat Palio azul marinho. Naquela noite a Dani, minha colega de classe que morava no Jardim Paulista, nos deu uma carona até a esquina da Camilo de Matos com Av. Meira Junior, onde ficava o pensionato em que eu e Hérica morávamos. Era uma dessas acolhedoras noites Ribeirão Pretanas, apropriadas para mesa de bar, cerveja gelada, e conversa mole. Elementos que, segundo a história, não podem ser desvinculados da trajetória do Sócrates, que morreu em 2011 vitima de complicações de uma doença crônica chamada cirrose hepática.
De volta pro meu causo: Faltavam poucos blocos até nossa esquina, quando o carro da Dani foi atingido por outro, conduzido por alguém que não parou na esquina da Cravinhos com a Camilo de Matos. Eu não sei se de lá pra cá as vias em Ribeirão mudaram, mas na ocasião a mão era nossa. Por sorte, a Dani dirigia devagar porque a região estava horário do borburinho de saída da faculdade, e tinha barzinhos espalhados pelas calçadas.
Desgovernado, o carro foi parar de frente na lateral de outro carro que estava estacionado por ali. Daí a sequência natural do momento: susto, aglomeração, polícia, e três motoristas na delegacia pra finalizar o B.O. (boletim de ocorrência). Eu e a Hérica fomos dar um apoio moral.
Acontece que, durante o processo, ficamos de conversê com um moço, que não tinha nada a ver com voltar pra casa da faculdade, mas que era o dono do carro estacionado e atingido. A conversa era boa, e ele nos convidou pra tomar uma cerveja e relaxar do susto. Fomos. Claro.
E aí que…. não é que o Sócrates era amigo do moço do carro estacionado e estava acompanhando todo o vuco-vuco justamente da mesa do bar, onde fomos nos sentar, pra tomar aquela cerveja relaxadora.
Estudantes de Comunicação que éramos, especialmente Hérica e eu entrando na vida adulta, mantivemos nosso “cool”. Afinal, provavelmente em nosso destino profissional encontros desse tipo poderiam se tornar corriqueiros.
“Oi. Boa noite! Gabriela. Muito prazer”, sorrisos. Super normal tomar uma cerveja com o Sócrates. O susto da batida passou. Eu não lembro exatamente sobre o que conversamos. Sócrates já não jogava futebol, mas era personalidade e um cara muito envolvido com as questões sociais. Sei que falamos da situação no país, e muito provavelmente entramos no tópico das eleições municipais daquele ano em Ribeirão.
Mesmo mantendo nossa calma, como se fosse nada mais que uma cerveja com a turma da classe, embaixo da mesa a realidade era outra. Eu e a Hérica não parávamos de nos chutar, e vez ou outra trocávamos uma risadinha confidente. “Ai se meu pai estivesse aqui”.
Embora a vida do Sócrates tenha envolvido muito mais glamour que a vida que eu, a Hérica, e a Dani conhecíamos na época, ele foi um desses atletas que usou sua popularidade para dar voz à uma causa. Naquele dia eu vi um dos ídolos da minha infância, um cara considerado LENDA, exatamente como ele era: um cara normal. Um homem preocupado com o destino da sua nação, consciente de seu papel como influência, apreciador de uma birita, de cigarro queimando no cinzero, e de boa conversa.
Não ficamos até o encerrar da conta. Nunca mais cruzei com o Sócrates em Ribeirão. Mas esse dia ficou. Lembro que quando finalmente entramos em casa, eu e Hérica sentamos no chão e começamos rir, pensando em como contaríamos aquele episódio para nossos Corinthianos preferidos. Hoje, pensando nos rumos que o Brasil tomou politica e socialmente, me peguei imaginando qual seria o posicionamento do Sócrates. Porque ele, assim como tantos de nós, também acreditava que era preciso gente nova no poder, sem os vícios da corrupção.
Eu não sou qualificada para falar sobre futebol ou sobre jogadores de futebol. Por isso nem vou tentar comparar o Sócrates aos novos idolos do esporte para dar perspectiva para as novas gerações. Pra isso deixo a sessão dos comentários abaixo aberta ( e um #ficaadica pros amigos entendidos de bola). Mas talvez, só pra provocar, não exista comparação: porque lenda é lenda.
Para saber mais sobre o Sócrates dá aquela pesquisada online. Super obrigada Márcio Neves, pelo help com as fotos.